quarta-feira, 15 de abril de 2015

Adriano Stevenson is a punk rocker

Adriano Stevenson é gente que faz! Guitarrista e compositor de punk rocks desde meados da década de 80 do século passado – sim, somos pessoas do século passado – segue firme com a Rotten Flies, da Paraíba, compondo e tocando e viajando e “fanzinando”. E irradiando som e fúria pelas ondas do rádio. Às quintas feiras, a partir das 20:00, via Tabajara FM, de João Pessoa. Ou em sua caixa postal, via correios, através do jornal “Microfonia”. Ou num palco precário de algum clube imundo, nas quebradas do “underground”. Ou não – às vezes rolam umas produções “decentes” ...

"Saco de Gilete", o mais recente lançamento da Rotten Flies, parece ter funcionado - a julgar pelo conteúdo de algumas letras e pelas entrevistas e declarações que li sobre o disco - como uma espécie de "volta por cima" da banda depois de uma fase conturbada. Fale um pouco sobre isso, a nova formação e a gestação do álbum.
Sabe aquela máxima: "Passaria por tudo novamente". Nem fudendo passaria por tudo novamente! Foi a gestação mais complicada, até porque o nome não era Saco de Gilete, era outra concepção, outra visão, e na real, todo mundo da banda já tava de saco cheio. Eis que, num mar revolto, aparece o cara que entra no barco pra somar. Falo de Francisquinho, vocal que veio com idéias e atitudes. Deu no que deu!  Francisquinho é o cara que tem a frase certa na hora certa, foi a tampa e a panela, o cocô e a privada.

Satisfeitos com o resultado final, em termos técnicos e artísticos? E a repercussão, como tem sido? 
Quando estávamos terminando a mix e master, comentamos: “Caralho, isso ta foda!” Não posso esquecer o nome de Marcelinho Macêdo, produtor local que entendeu a parada e fez acontecer. Saquei que o negócio pegou , quando fui pro Ugra Fest em São Paulo e lá passei alguns CDs pro pessoal do Ódio Social, então os caras ficaram nossos amigos desde criancinha. Recentemente, em São Paulo e Curitiba, tivemos uma repercussão muito boa! Mas a pergunta inicial era "Satisfeitos com o resultado final?" Sim, totalmente.

Estou acompanhando e vejo que vocês têm feito shows para além das fronteiras paraibanas, inclusive no sudeste do país. Está mais fácil fazer isso? Com base em sua experiência ao longo dos anos, consegue fazer um paralelo entre as dificuldades de uma banda "underground" para viajar ontem e hoje? A internet facilita? Até que ponto? Porque se por um lado agiliza os contatos, por outro deixa tudo ainda mais disperso e confuso, fora de foco...

Está mais fácil sim, a internet ajuda, não preciso mais colocar cola na superfície do selo (os caras que manuseavam cartas entenderão), a resposta é instantânea. Quanto às dificuldades, são mais de logística do que financeira, se tiver um integrante na banda que não quer, não pode ou que não está nem ai (o que chamamos aqui em Jampa de “empatafoda”) não vai virar. Isso independe de período, tanto ontem como hoje, o que tem que haver é vontade, o resto é correr atrás. Nesse rolê que demos no sudeste do país, por sorte, tudo foi amarrado e os caras que nos recepcionaram deram 110% de atenção, não houve roubada. A gente sabe que isso pode acontecer, mas a diferença é que hoje a roubada é compartilhada nas redes sociais, o nome do cidadão vira poleiro de galinheiro.

Já têm planos para o futuro? Já têm músicas novas compostas? Planejam lançá-las de que forma? O que pensam do dilema pelo qual passam muitas bandas hoje em dia, sobre lançar seu trabalho em CD, vinil ou apenas de forma "virtual", na internet? E como lidam com as novas estratégias para a divulgação de sua musica neste "admirável mundo novo" de comunicação instantânea e digital em que vivemos?
Não dou crédito para bandas que lançam virtualmente, hoje tá mais fácil lançar o material físico. Foda era nos anos 90 lançar um LP ou EP (vide Cambio Negro/Karne Krua/Discarga Violenta)! O negócio era trabalho de estivador, agora tá bem mais fácil. Atualmente usamos a mídia digital (principalmente para divulgação e comunicação), mas continuamos a enviar material físico. A Rotten Flies grava esse ano um LP, na realidade começou com a idéia de um EP, mas apareceu mais músicas e mais selos pra segurar a parada, vamos cair pra dentro.

Aproveitando o gancho: tem vendido bem, o disco? E os outros lançamentos do selo Microfonia, têm se pagado?
O Saco de Gilete tá sendo bem distribuído, tem quem pense que a gente é uma banda nova (acho isso ótimo). Os outros lançamentos, alguns sim, eles se pagam, outros não, mas quero deixar claro que a coisa funciona se a banda estiver tocando. Banda tem que gravar, lançar e pegar a estrada, aí a coisa gira.

Conte-nos um pouco sobre a história da Rotten Flies: quantos anos, quantas fases, quantos "perrengues", quantos prazeres. Fale-nos sobre "a dor e a delícia" (ui, Caetano!) de ser o que é - uma banda de Hard Core UNDERGROUND em atividade no nordeste do Brasil...
Vamos la ... Rotten Flies - completa esse ano 25 anos de atividades, muitos perrengues e bota perrengues nisso, prazeres, vixe... um bocado, se não tivesse essa parte , eu parava. Dia desses estava ai em “Buracaju” assistindo a Karne Krua, pensei comigo: Ah, o Silvio tá ali com 59 anos (NOTA DO BLOG: Ô EXAGERO, ele tá com 51. Olha aí, “sub”, ta querendo te dar mais anos do que já tem) e pula que nem uma criança. Se ele pode, eu posso também! Na frente de Silvio “Suburbano” (NOTA DO BLOG: este era o pseudônimo que Silvio usava nos primórdios da Karne Krua) eu sou um bebê (risos). Tenho só 43. Mas falando sério (ui, Roberto!) (NOTA DO BLOG: ui, gostei.) o combustível da banda é um pouco daqueles pirralhos de 16 anos que ainda permanecem putos e desconfiados de tudo.

Além da banda você tem outros projetos em plena atividade, notadamente um programa de rádio, o "Jardim Elétrico", e o jornal/selo "Microfonia",  ambos tocados em parceria com Olga Costa. Como se deu esse encontro de vocês dois? E como tem se desenvolvido, está dentro do que vocês planejaram? Ou não planejaram nada, apenas "aconteceu"?
Olga é jornalista e figura conhecida aqui em Jampa. Ela tinha uma loja de CDs chamada Paralelos Records, na qual eu não ia, pois o atendimento dela era péssimo, tão ruim que a loja fechou! (risos). Anos depois, a encontrei na Música Urbana, loja do nosso parceiro Robério Rodrigues, equivalente à Freedom de Aracaju. Conversávamos muito sobre zines, da falta que o mesmo fazia devido à migração de muitos zineiros para o mundo digital e como a gente tem em comum a vontade de nadar contra a corrente, surgiu o  Microfonia (periódico bimestral), que foi planejado, sim. O restante veio acontecendo sem muito planejamento. Nos anos 90 eu tive um selo chamado Cactus Discos. Em 1995 parei com essa atividade. Quando criamos o jornal/zine, resolvemos incorporar o selo ao jornal. O programa Jardim Elétrico já era pilotado por Everaldo Pontes e Olga desde 84.

Especificamente sobre o programa de rádio, ainda vale a pena fazer, em tempos de internet? Não seria o radio uma "midia morta"? Creio que não, mas gostaria de saber sua opinião...
Eu não tenho a dimensão exata do quanto a gente é ouvido em rádio. Eu caí nessa meio que de pára-quedas. Fui fazer uma participação, (nesse dia Everaldo faltou ao programa), gostaram do resultado e acabei ficando. O próprio Everaldo disse pra mim: Vai lá e se diverte. Eu respondi: Mermão, eu não tenho know-how pra coisa. Ele respondeu na bucha: "Tem sim!". Teve um dia que rolou o maior cacete entre eu e Olga no programa, foi ai que eu saquei que essa mídia funciona, a audiência subiu igual foguete. Não que eu me importe com audiência.

Antes da Rotten Flies você fez parte da formação de pelo menos duas outras bandas importantes para o cenário punk/hard core do nordeste, mais especificamente do Rio Grande do Norte - aliás, você é de lá ou é paraibano? - a Discarga Violenta e a Devastação. Fale um pouco de sua passagem por estes dois grupos.
Sou potiguar, “papa-jerimum”, como dizia minha mãe! Eu sempre fui o guitarrista reserva (só tem tu, vai tu mesmo), na Devastação foi assim, na Rotten Flies também. No Discarga Violenta foi diferente, a gente começou junto. Jean, vocalista da Devastação, me convidou para substituir Rômulo, que chegou a tocar no Festcore (Festival Punk de Aracaju). (NOTA DO BLOG: primeiro festival exclusivamente dedicado ao punk e ao Hard Core da cidade, que aconteceu na metade da década de 1980, produzido pelo pessoal da Karne Krua com bandas de várias partes do país, incluindo a Delinquentes, de Belém do Pará – que é longe pra cacete! Ok, Natal também não é ali na esquina ...). Ainda peguei o III Encontro Anti-Nuclear, produzido por Nino (Cambio Negro). Ele ainda tem o vídeo da Devastação comigo na guitarra, preciso pegá-lo. Devastação foi um puta aprendizado! Hoje o trabalho que faço com a Rotten Flies é muito calcado nessa época. Vendo em retrospecto, entendo a escolha de Jean em ser professor, naquela época o cara já chegava no point com zines, fitas e outras publicações para a alegria da punkarada. O cara já tinha na veia o didatismo. No Discarga Violenta, eram três pirralhos que queriam fazer muito barulho... conseguimos, fizemos muito barulho em todos os sentidos.

Por fim, nos fale sobre os primórdios: como começou seu interesse pela cultura punk underground e seus derivados? O que te levou por este caminho? Imagino que tinha, por aí, as mesmas dificuldades que nós, por aqui, em termos, principalmente, de informação, naqueles tempos "analógicos" em que tudo tinha que ser resolvido por telefone ou por carta...
Estamos falando de 1985, quando o rock nacional estava a toda. Correndo por fora, a New Face, Wob Bop, Baratos Afins, o subterrâneo sempre me chamou a atenção. No ano seguinte o RDP lançou Descanse em Paz, consigo uns Coléras, e outras coisas, conheci uns malucos no colégio que gostavam de punk/HC, não deu outra, vida entortada. Me apresentaram Sopa D'osso(NOTA DO BLOG: ativista punk e anarquista, uma figura importante – e lendária – do cenário local), que depois de vinte anos entrevistei pro Jornal Microfonia. Correspondências, muitas correspondências com o Brasil todo. Cartas, zines, fitas, LPs, a era de ouro. O que mudou? Só a perspectiva.

Uma última pergunta: "Stevenson" é pseudônimo ou sobrenome?
Mainha adora Robert Louis Stevenson, portanto me deu o nome em homenagem ao escritor de Dr. Jekyll e Mr. Hyde. Meus filhos também levam o Stevenson. Eu particularmente sou um pouco médico e monstro, quando sou bom, sou bom, quando sou ruim, sou ótimo.

Adelvan perguntou.
Adriano respondeu.

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