quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

AC/DC: Trem Inabalável



por Marcos Bragatto
Fonte: Rock em Geral

Trem inabalável

O show mais esperado do ano traz ao Brasil uma velha banda de rock pesado que rivaliza com ídolos pop como Madonna. Dá para entender? Claro, afinal, trata-se do AC/DC! Matéria de capa da Revista Billboard número 2, de novembro de 2009, feita por Marcos Bragatto em parceria com Mário Martins.


O segundo álbum mais vendido nos EUA em toda a história é “Back In Black”, lançado pelo AC/DC em 1980, meses após a morte do insubstituível vocalista Bon Scott. Quando você correr os olhos por estas linhas, o disco já deve ter ultrapassado a marca das 50 milhões de cópias. Só “Thriller”, de Michael Jackson, tem desempenho melhor.

Na soma dos resultados de seus títulos em catálogo, considerando os números a partir de 1991 – ano em que a SoundScan passou a monitorar vendas nos EUA com métodos mais confiáveis –, a veterana banda australiana supera até mesmo o finado Rei do Pop. E também os Rolling Stones, Madonna, Led Zeppelin… Os Beatles são os únicos que apresentam um volume maior. No entanto, se considerados apenas os discos negociados no ano passado, o AC/DC ganha até do quarteto de Liverpool: foram nada menos que 12 milhões de cópias comercializadas em 2008 (veja o boxe “Aula de Marketing”, sobre as estratégicas de marketing usadas para vender o catálogo do AC/DC).

É, não são apenas glórias do passado, não. Nos EUA, a “Black Ice Tour”, do AC/DC, que para na estação Morumbi, em São Paulo, no dia 27 de novembro, briga com cachorro grande. Compete dólar a dólar com as excursões de Madonna, “Sticky & Sweet”, e a inovadora “360º”, do U2: são as top bilheterias da temporada. Os 67 mil ingressos para o show paulistano se esgotaram no primeiro dia, e outros três mil adicionais que a produtora Time For Fun disponibilizou depois também sumiram quase de imediato.

“Black Ice”, álbum que marcou o retorno do quinteto liderado pelo guitarrista Angus Young, saiu em outubro de 2008 e foi primeiro lugar em 29 países. Nos Estados Unidos, a estratégia foi singular, mas funcionou: o disco e o game “AC/DC: Rock Band” começaram sendo vendidos com exclusividade pela cadeia Wal-Mart ou pelo site da banda. Ainda assim, já na primeira semana, 1, 762 milhão de cópias foram comercializadas. Nada de faixas para download.

O trem gigantesco escolhido para decorar o palco da turnê é uma metáfora perfeita. O AC/DC não sai dos trilhos, leva de um lugar para outro sem solavancos, sem sustos, sem desvios, sem improvisos. Quando você entra, já sabe para onde vai. Taí uma banda que não pesquisa ritmos, não vai em busca de novas influências, não experimenta no estúdio, não chama um DJ, não tenta acompanhar os novos tempos, não muda sequer de visual! Como brinca o líder do grupo, Angus Young: “O Malcolm (seu irmão, responsável pela guitarra base) usa o mesmo jeans há anos, e o Brian, se bobear, jamais lavou o dele”. O renomado produtor Rick Rubin arrisca: “Eles são a maior banda de todos os tempos. Não escreveram letras emotivas. Não tocam canções emotivas. A emoção está toda no groove. E o groove é atemporal”.

Em um mundo frenético e neurotizado por atualizações tecnológicas, o AC/DC é aquele cara que se recusa a saber para que serve o botão F5 no teclado do computador. Não faltam explicações para tanto sucesso. Em outubro, o jornalista americano Anthony Bozza lançou nos EUA o livro “Why AC/DC Matters” (Por Que o AC/DC Importa) pela editora William Morrow, uma defesa da relevância da banda para a história do rock e tentativa de radiografar seu inegável apelo popular (leia entrevista com Bozza na pág 43). O autor leva a sério a tarefa, analisando letras sacanas escritas pelo vocalista Bon Scott do ponto de vista literário: “Shot Down In Flames”, por exemplo, que fala sobre tentativas de “pegar mulher” em bares, ganha comparação inusitada. “Bon retrata a si mesmo como anti-herói byroniano (alusão ao poeta romântico inglês Lord Byron,1788-1824)”, viaja.

No Brasil, a Companhia Editora Nacional planeja lançar até o fim de novembro “A história do AC/DC – Let There Be Rock”, escrito pela americana Susan Masino. Apesar de a autora ser jornalista, o texto se aproxima mais do registro de uma fã, com domínio rudimentar da narrativa e excesso de reminiscências pessoais. De qualquer forma, vale pela quantidade de informações (ainda que não muito bem organizadas) reunidas e também por algumas anedotas.

Exemplo de uma delas: certa ocasião, em Belfast, na Irlanda do Norte, Angus Young sofreu um imprevisto durante o tradicional strip-tease humorístico que faz em todos os shows. Geralmente ele termina só de cueca e exibe o traseiro após algum suspense. Daquela vez, porém a roupa de baixo estava furada e seu pênis ficou para fora, sem que o guitarrista percebesse. O irmão Malcolm o alertou, enquanto morria de rir, mas ninguém fotografou. Como o próprio Angus disse, brincando para a autora, após ler trechos do livro: faltou incluir mais bandalheira.

É tarefa inglória. Parece que a maior parte da lama foi sepultada junto com o vocalista Bon Scott, morto em 1980 (provavelmente sufocado pelo próprio vômito) e dono de vasto folclore envolvendo excessos – a maior parte das histórias, porém, é sobre sexo “convencional” e drogas legalizadas como o álcool. O AC/DC tem a reputação de ser uma das bandas mais “gente fina” no meio roqueiro. “Já trabalhei com Bon Jovi, U2, Bee Gees, Bruce Springsteen… Não tem banda que trabalhe mais duro. Eles são os caras mais legais do mundo. Bem-educados, centrados nas famílias…”, elogia Mike Andy, ex-diretor de turnê.

Todos que trabalham com o quinteto ressaltam esse caráter “trabalhador” e “familiar” dos integrantes. Angus, por exemplo, é casado desde 1980 com uma holandesa e, tirando o fato de que ela é 15 centímetros mais alta do que ele, pouco é exposto na mídia. O guitarrista se divide entre a casa em uma pequena cidade na Holanda, Aalten, e a Austrália. Angus e seu irmão Malcolm, que já teve problemas com o alcoolismo, fogem da bebida desde os anos 80. O baterista Phil Rudd se esconde pela Nova Zelândia assim que acabam as turnês. Brian Johnson mora em uma ilha paradisíaca em Sarasota, na Flórida, onde é vizinho do baixista Cliff Williams – e também de milionários que possuem casa por lá, como os apresentadores de TV Oprah Winfrey e Jerry Springer.

Brian Johnson está lançando, pela Penguin Books, um livro de memórias baseado em suas experiências com veículos. Piloto semi-amador e apaixonado por carros, ele desfia um repertório de histórias bem humoradas, como sempre demonstra nas entrevistas, e também aborda assuntos sérios, como a convivência com o pai, ex-soldado inglês durão, e o preconceito sofrido por ser filho de uma italiana no período pós-guerra. “Eu e meu irmão tivemos que sair na porrada com muita gente até provar que não éramos fascistas”, lembra.

Brian, 62 anos, é um dos pontos de urgência desta turnê. É o mais velho da banda, e o uso que faz da voz, emitindo notas incrivelmente altas sem apelar para o falsete, já deveria ter acabado com sua carreira a essa altura. Se os irmão Young são abstêmios, ele ainda bebe vinho e, ocasionalmente, uísque. Também não dispensa um cigarrinho de palha. No mês passado, uma úlcera obrigou a banda a adiar várias datas. Mas o cantor segue firme e forte: “Antes desta turnê, pedi ajuda ao Nick Harris, guru de preparação física da Fórmula 1. Tenho medo constante de que alguém veja o show e diga: ‘Pô, tinha que ver esse cara há vinte anos, quando estava no auge…’ Por isso acho que a gente tem que parar enquanto esta por cima”.

A maioria das críticas que a “Black Ice Tour” vem tendo concorda que o trem do AC/DC está a todo vapor. “Os dois minutos iniciais são provavelmente a mais excitante abertura de shows de todos os tempos”, proclama Brian. “Pegamos o cara que fez a abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim. Custou mais de US$ 6 milhões!” O tal sujeito a que ele se refere é Mark Fisher. Um inglês formado em arquitetura no final dos anos 60, que se especializou, como designer de estruturas temporárias e infláveis, e que hoje é famoso no show biz internacional por criar cenários espetaculares. Todos os palcos do Rolling Stones desde 1989 e do U2 desde 1992 saíram de suas mãos – e também de algum de seus colegas no escritório da Stufish, empresa que mantém em King’s Cross, em Londres.

Seu primeiro trabalho no ramo é famosíssimo: os bichos gigantes usados pelo Pink Floyd na turnê de “Animals”, em 1977. Naquela época, quase ninguém no rock e na música pop usava grandes cenários ou elementos de palco mais complexos. O baixista e então ditador do Pink Floyd, Roger Waters, o chamou novamente para fazer nada menos do que o paredão da turnê de “The Wall”, em 1979. “Na verdade, eu comecei a desenhar esboços um ano antes, tentando convencer a banda de que era possível. Em setembro recebi sinal verde e os primeiros shows foram em fevereiro”, lembra Fisher. Suas recordações não são nada glamourosas: acumulando o trabalho de carpinteiro com o de designer, ele tinha de acionar os controles que faziam o muro desmoronar todos os dias. Ficava no backstage e jamais conseguiu ver o que o público via. Hoje, após o trabalho em “The Division Bell”, em 1994, ele é brigado com Waters, que qualifica como “maluco”.

O impressionante portfólio de Fisher não se resume ao universo musical, como bem referenciou o contratante Brian Johnson. Além de abertura e encerramento em Pequim, ele foi responsável por um inovador trabalho no espetáculo “KA”, do Cirque Du Soleil, que não usa palco convencional, apenas plataformas flutuantes e elevadores. Seu mais badalado trabalho atualmente é o palco da turnê “360º” do U2, tido como marco revolucionário e importante para o futuro do show business.

Com esse aspecto, a “Black Ice Tour” não pretende competir. O AC/DC tem uma longa tradição de usar aspectos cênicos. Nos primórdios, antes de optar pelo uniforme colegial, Angus usou roupa de Zorro, de Homem-Aranha e de Super-Angus… Os canhões de “For Those About To Rock” viraram marca registrada dos shows, bem como a boneca gigante Rosie que ilustra a canção “Whole Lotta Rosie”. “Isso é uma das coisas mais legais da banda. Eles sabem que poderiam subir no palco sem nada em volta e apenas tocar. As pessoas sairiam felizes. Mas eles querem sempre um visual novo, sem ser abertamente teatral, mas que reproduza ao menos a capa do álbum. Embora não precisem, fazem pelos fãs”, explica Pete Capadoccia, conhecido como Pyro Pete, no livro “The Story Of AC/DC – Let There Be Rock”. Ele é há mais de duas décadas o pirotécnico encarregado de administrar algumas dessas extravagâncias.

“Quando comecei, tínhamos dois canhões, que usamos em um par de turnês. Depois mudamos o palco e eles ganharam a aparência de canhões de um navio de guerra. A partir de 1991, na turnê Monsters Of Rock, já tínhamos 21 deles: sete de cada lado e sete no meio”, lembra. “O sino também passou pelo mesmo número de variações. A cada turnê alguém perguntava: ‘O que podemos fazer com o sino agora?’ Brian adora isso.”

Não faltam histórias de pequenos acidentes e desastres hilariantes. A cabeça de um Angus Young gigante quase esmagou Phil Rudd certa vez; em Portugal, a Rosie inflável já desabou sobre o kit de bateria, e o próprio Angus já se viu preso em uma estrutura elevadiça sem ter como descer… A corda do sino em que Brian Johnson se pendura já se rompeu. O cantor caiu de costas no chão e depois ainda despencaram 12 metros de corda em seu peito. “Ele imediatamente levantou e começou a agitar no palco. Tudo que disse foi: ‘Corda barata de merda!’ Não perdeu nem um compasso”, lembra Pete. “É muito divertido quando algo dá errado. Qualquer outro rock star iria pedir cabeças, saber quem foram os responsáveis”, brinca o técnico. Obviamente, esse bom humor só acontece porque quase nunca algo dá errado. O trem do AC/DC é infalível, assim como os riffs de Malcolm e Angus Young.

O ROTEIRO DO SHOW

“Rock N Roll Train”: O primeiro single de “Black Ice”, de 2008, lançado no fim do ano passado, e inspiração para o cenário da turnê. Impacto visual garantido.

“Hell Ain’t A Bad Place To Be”: Um clássico de “Let There Be Rock”, de 1977, típica letra de Bon Scott sobre uma musa bêbada e pouco confiável, porém desejada. A primeira com temática “infernal” da banda.

“Back In Black”: O riff de guitarra mais poderoso de todos os tempos chega logo para incendiar o estádio e introduz a faixa-título do álbum de 1980. Ao mesmo tempo homenagem a Bon Scott e profissão de fé na imortalidade do rock’n'roll.

“Big Jack”: No embalo, uma das melhores faixas do último disco, Black Ice, daquelas talhadas desde a origem para ecoar em grandes estádios.

“Dirty Deeds Done Dirt Cheap”: Clássica e politicamente incorreta faixa-título do álbum lançado em 1976, anunciando os serviços de um matador para eliminar pessoas inconvenientes.

“Shot Down In Flames”: Mais uma típica letra de Bon Scott, sobre um homem desesperado para pegar mulher, em momento priapismo desassistido. Do disco “Highway To Hell” (1979).

“Thunderstruck”: Do álbum “The Razor’s Edge” (1990), talvez seja o mais recente “clássico” do repertório da banda. Introduzida pelo solo que levanta a plateia, enquanto Angus acelera sua mãozinha esquerda. A inspiração foi uma experiência real vivida pelo guitarrista a bordo de um avião, sobrevoando a Alemanha.

“Black Ice”: A faixa que dá nome ao mais recente disco segue a linha temática dos cataclismas (dando uma mencionadinha no diabo) e mantém o pique do show com sua fórmula 100 % garantida.

“The Jack”: Mais que uma canção, trata-se um “número” criado por Bon Scott (registrado no álbum “T.N.T.”) em ritmo de shuffle blues, com letra que mistura carteado, doença venérea e ocasionais baixarias. Brian Johnson improvisa muito à vontade, mas quem aproveita para fazer o tradicional strip-tease é Angus Young.

“Hells Bells”: É a hora de outro velho ritual: Brian se pendura na corda para tocar o sino gigante. A música foi seu cartão de visitas, faixa 1 do álbum “Back In Black”, em 1980. Temática infernal e mais comparações com fenômenos naturais.

“Shoot To Thrill”: Mais uma de “Back In Black”, sempre dando espaço para Angus, a essa altura, sem camisa e carequinha à mostra, recriar um dos solos de guitarra mais explosivos da história do rock.

“War Machine”: No telão, um desenho animado mostra bombardeiros soltando guitarras e groupies paraquedistas sobre território inimigo. Boa ilustração para mais uma representante do disco “Black Ice”.

“Dog Eat Dog”: Um riff minimalista, porém clássico, diretamente de “Let There Be Rock”, de 1977. Com direito a uivos e ocasionais latidos de Brian Johnson.

“Anything Goes”: A quarta canção de “Black Ice” tem apelo dançante e é forte candidata a ganhar lugar cativo no repertório da banda. Ou, pelo menos, vaga em comerciais de vários produtos.

“You Shook Me All Night Long”: O clássico do AC/DC mais amado pelas mulheres (e favorito dos clubes de strip-tease em cinco continentes). Direto de “Back In Black”, uma obra-prima em ritmo, riff e letra sacana.

“T.N.T.”: Do álbum de mesmo nome, lançado em 1975, uma canção “prima” de “Dirty Deeds…”, que chama um coro de “ói, ói, ói” e entra em clímax com explosões e o trem literalmente em chamas.

“Whole Lotta Rosie”: Hora de mais uma tradição: a volumosa mulher imortalizada por Bon Scott (no disco “Let There Be Rock”, de 1977) é ilustrada por uma gigantesca boneca inflável de 15 metros. Agora ela monta no trem!!!!

“Let There Be Rock”: Clássico absoluto do que os antigos chamavam de “rock pauleira”, desembestado até o interlúdio que serve para Angus Young, do alto de uma estrutura, detonar alucinado solo.

No bis:
“Highway To Hell”: A introdução na guitarra faz estádios tremerem e milhares de celulares piscarem na plateia. A música que canta as agruras da estrada ironicamente brinda o quinteto com uma reação maravilhosa: espere 67 mil vozes no refrão.

“For Those About To Rock”: O obrigatório e apoteótico gran finale, um dos hinos informais do rock’n'roll. Os tiros de canhão do casamento real entre Charles e Diana deram uma grande ideia ao AC/DC quando a banda estava no estúdio gravando. Haja tímpano!

CRONOLOGIA

9/6/1946 - Nasce Ronald Belford Scott em Roods Kirriemuir, sul da Escócia, que conheceria a fama na Austrália como Bon Scott, vocalista do AC/DC.

5/10/1947 - Nasce Brian Johnson, também futuro cantor do AC/DC, em Newcastle-Upon-Tyne, nordeste da Inglaterra.

6/1/1953 - Nasce em Glasgow, na Escócia, Malcolm Mitchell Young, futuro guitarrista.

31/3/1959 - Nasce, também em Glasgow, Angus Mitchell Young, o sétimo filho homem de William e Margaret Young.

1963 - Desempregado e com oito filhos para criar, William Young resolve imigrar para Sydney, na Austrália.

1964 - Angus Young começa a tocar um banjo com algumas cordas faltando.

Janeiro de 1970 - Aos 14 anos e 9 meses de idade, Angus Young é expulso da escola. Só voltaria a usar uniforme colegial para subir no palco.

31/12/1973 - Noite de réveillon: o AC/DC faz seu primeiro show profissional, em um pequeno clube chamado Chequers, em Sydney. No repertório, Chuck Berry, Rolling Stones, Free e Beatles.

22/6/1974 - O AC/DC lança seu primeiro compacto, com as músicas “Can I Sit Next To You Girl” e “Rockin’ In The Parlour”. O vocalista era Dave Evans.

5/10/1974 - Depois de passar seis semanas fazendo o show de abertura para um travesti chamado Carlotta, na cidade de Perth, o AC/DC se apresenta em Sydney com um novo vocalista, Bon Scott.

Janeiro de 1975 - Os cinco integrantes do AC/DC se mudam para Melbourne, onde se estabelecem numa casa. O estilo de vida rock’n'roll incluía a partilha comunitária de bebida, groupies e alguns parasitas da região pubiana.

Fevereiro de 1975 - É lançado na Austrália o primeiro álbum do AC/DC, “High Voltage”. Pouco depois, o baterista Phillip Hugh Norman Witschke Rudzevecuis se juntaria à banda e ficaria famoso como Phil Rudd.

Dezembro de 1975 - Um segundo álbum, “T.N.T.”, chega às lojas, também somente na Austrália. O selo Atlantic Records oferece ao AC/DC um contrato mundial para lançar um disco.

Fevereiro de 1976 - Já com malas prontas para a Inglaterra, a banda começa a registrar “Dirty Deeds Done Dirt Cheap”, em Melbourne. O disco seria lançado somente em novembro, atingindo o mercado britânico. Nos EUA, sairia somente em 1981.

Março de 1976 - No show de despedida da Austrália, Angus Young faz strip-tease no palco e mostra o traseiro para a plateia. Nasce uma tradição.

8/4/1976 - O AC/DC desembarca de mudança na Inglaterra, justamente quando o movimento punk ganha as ruas de Londres. O primeiro show ocorre num pub chamado Red Cow, na capital britânica.

4/6/1976 - O AC/DC faz seu primeiro show como headliner, no histórico Marquee, em Londres. É o começo da “Lock Up Your Daughters Summer Tour”. A programação, moderna, incluía um DJ no aquecimento e projeção de videoclipes.

12/6/1976 - Angus Young aparece pela primeira vez na capa de uma publicação internacional: o semanário Sounds, que, na época, rivalizava com os tradicionais New Musical Express e Melody Maker.

28/9/1976 - É lançada uma edição internacional de “High Voltage”, que reúne faixas dos dois primeiros discos que haviam sido lançados apenas na Austrália. Nos EUA, a crítica destrói o LP. “Burrice me incomoda. Burrice calculada me ofende”, escreveu Billy Altman, na Rolling Stone.

21/3/1977 - Sai na Austrália o álbum “Let There Be Rock”, que ganharia uma versão internacional em junho.

Setembro de 1977 - Após uma turnê pelo Reino Unido, o baixista Mark Evans é demitido da banda por conflitos com Angus. Em seu lugar entraria o inglês Cliff Williams, que na infância tinha sido aluno de um vizinho chamado… Paul McCartney.

Maio de 1978 - Sai o quinto álbum, “Powerage”, seguido cinco meses depois por um disco ao vivo, “If You Want Blood You’ve Got It”.

Julho de 1979 - “Highway To Hell” tem lançamento mundial. Em pouco tempo, seria o primeiro disco do AC/DC a vender mais de um milhão de cópias. Aclamado atualmente como um dos melhores discos de rock de todos os tempos, foi o primeiro a ser produzido por Robert “Mutt” Lange, profissional de currículo modesto até então.

19/2/1980 - Bon Scott é encontrado morto dentro de um carro em Londres, provavelmente asfixiado após (mais) uma noite de bebedeira.

29/3/1980 - Brian Johnson, que Bon Scott certa vez havia descrito como “um grande cantor de rock’n'roll na linhagem de Little Richard”, ensaia com o AC/DC e é aprovado para o posto de vocalista do grupo. Na época, Brian, casado e pai de duas filhas, tinha desistido da carreira de cantor e tinha uma firma de tetos de vinil para carros.

23/8/1980 - O novo álbum “Back In Black” entra na parada da Billboard para permanecer durante 131 semanas seguidas.

10/12/1980 - Paris tem o privilégio de ver a estreia mundial do filme “Let There Be Rock”, que registra o show realizado na capital francesa durante a turnê de “Hells Bells”, em 9 de dezembro de 1979.

22/8/1981 - O AC/DC se apresenta como headliner do festival Monsters of Rock, em Donnington, na Inglaterra. O show rende um antológico DVD.

Novembro de 1981 - Sai “For Those About to Rock (We Salute You)”, o primeiro álbum do AC/DC a liderar a parada americana.

15/8/1983 - “Flick Of The Switch” é lançado e decepciona fãs no mundo todo. O baterista Phil Rudd é demitido no meio das sessões de gravação, mas completa o trabalho no álbum. Após audições, o jovem inglês Simon Wright, 20 anos, é escolhido para assumir as baquetas.

Outubro de 1984 - Para festejar o décimo aniversário da banda, é lançado “’74 Jailbreak”, mini álbum com raridades que só tinham saído na Austrália.

28/6/1985 - Sai o disco “Fly On The Wall”, o primeiro com Simon Wright. Um vídeo com o mesmo nome e cinco músicas também chega ao mercado.

Maio de 1986 - O álbum “Who Made Who”, reunindo faixas inéditas e material previamente lançado, serve como trilha sonora para o filme “Comboio do Terror” (“Maximum Overdrive”), única incursão do escritor Stephen King como diretor.

31/8/1986 - Richard Ramirez é preso na Califórnia após cometer 16 assassinatos. Ele diz que imagens satânicas do disco “Highway To Hell” e da música “Night Prowler” o incitaram. Um boné do AC/DC foi encontrado no local de um dos crimes. A banda sofre perseguição de conservadores e grupos religiosos.

Fevereiro de 1988 - O álbum “Blow Up Your Video” marca a reunião do AC/DC com os produtores George Young (irmão mais velho de Malcolm e Angus) e Harry Vanda.

Maio de 1988 - Malcolm Young pede um tempo pra ficar com a família e é temporariamente substituído por seu sobrinho Stevie Young. Na verdade, o problema do músico era alcoolismo.

8/12/1990 - “Moneytalks” se torna o maior sucesso do AC/DC nos EUA, atingindo o 23º lugar na parada de compactos. Durante os shows, a banda atira dinheiro falso para os fãs. O single foi extraído do álbum “The Razor’s Edge”, lançado em setembro.

18/1/1991 - Três adolescentes morrem esmagados antes de um show em Salt Lake City, nos EUA. Para evitar um cancelamento, os promotores não avisam à banda. O AC/DC sobe ao palco e depois é acusado por tablóides ingleses de ter se apresentado mesmo sabendo da tragédia.

28/11/91 - Nos arredores de Moscou, o AC/DC toca para um público estimado em um milhão de pessoas, em evento chamado Festa da Democracia e Liberdade. O governo mandou aviões “bombardearem” as nuvens para evitar chuva.

29/10/1992 - É lançado o disco duplo “AC/DC Live”. “Queríamos mais um registro antes que o cabelo e os dentes caíssem”, brincou Angus, na época.

Março de 1993 - Estreia na MTV americana o desenho “Beavis And Butthead”, que ajudou o AC/DC a conquistar novas gerações em plena era grunge.

Maio de 1994 - O baterista Phil Rudd volta a gravar com a banda, participando do álbum “Ballbreaker”, produzido por Rick Rubin. O lançamento acontece em agosto de 1995.

Março de 1997 - Angus e Malcolm se enfurnam em estúdio para ouvir e trabalhar em cima de gravações da fase com Bon Scott. Em novembro sai a caixa “Bonfire”, um tesouro com material inédito e faixas ao vivo.

29/2/2000 - É lançado “Stiff Upper Lip”, primeiro lugar nas paradas da Alemanha e da Argentina, entre outros países.

Fevereiro de 2001 - A venda total de discos do AC/DC alcança 70 milhões de unidades. A banda ocupa o nono lugar entre os maiores campeões da indústria fonográfica; dentro do rock, ainda era superada por Beatles, Led Zeppelin, Pink Floyd e Eagles.

Outubro de 2001 - É lançado um boneco de Angus Young em 40 centímetros. A piada que circulava: “É quase em tamanho natural”

Dezembro de 2002 - A banda assina com a Sony Music, que prepara uma série de relançamentos de seu catálogo.

10/3/2003 - O AC/DC é introduzido no Rock’n'Roll Hall of Fame. Malcolm descreve a noite com irreverência: “Foi como tocar para um bando de pinguins num restaurante. Os caras do Clash foram homenageados antes da gente, e The Edge fez um discurso de 40 minutos sobre o Joe Strummer (líder do Clash, morto meses antes). Foi o cara mais chato que já testemunhei falar”.

28/3/2005 - É lançada “Family Jewels”, coletânea dupla em DVD com clipes e vídeos ao vivo.

16/10/2007 - Chega ao mercado mais um festim de raridades para os fãs: “Plug Me In”, DVD em versões tripla e dupla

20/10/2008 - O álbum “Black Ice” é lançado nos EUA com venda exclusiva na rede Wal-Mart. O disco atinge o primeiro lugar nas paradas em 29 países.

10/11/2009 - “AC/DC Backtracks” é colocado à venda somente pelo site www.acdcbacktracks.com. Trata-se de um amplificadorzinho de 1 watt contendo três CDs, dois DVDS, um LP, livro de 164 páginas e memorabília diversa. Em edição limitada.

AULA DE MARKETING

Comédia Escola do Rock, estrelada por Jack Black, ajudou o AC/DC a conquistar novas gerações, coroando estratégia da Sony, que desde 2003 explora o catálogo da banda

As vendas do catálogo do AC/DC aumentaram substancialmente de 2003 para cá. Aquele ano marcou a estreia da comédia “Escola de Rock”, cujo roteiro mostra um roqueiro fracassado que se passa por professor substituto e decide montar uma banda com os alunos pré-adolescentes. Na trilha sonora, entre muitos clássicos do rock, o AC/DC comparece com “Back In Black”, “Highway To Hell” e It’s a Long Way To The Top (If You Wanna Rock’n’roll)”, que fecha o longa com os créditos já na tela, numa das cenas mais hilárias do filme. O tal professor, interpretado por Jack Black, sobe no palco com a clássica indumentária de colegial usada por Angus Young para tocar a faixa-título – não por acaso uma música bem no estilo AC/DC. Voltado para adolescentes, o filme colaborou para um improvável – a essa altura – interesse das novas gerações pelo grupo.

Na verdade, o ano de 2003 marca o começo da exploração dos direitos do catálogo da banda pela Sony (à exceção de “Ballbreaker” e “Stiff Upper Lip”, que depois também foram incorporados). Em fevereiro daquele ano, o selo Epic jogou no mercado americano edições especiais remasterizadas, com encartes de 16 páginas trazendo textos de críticos de renome como David Fricke, e uma estratégia especial para a internet. No endereço acdcrocks.com, os compradores dos CDs podiam navegar por uma área exclusiva, com vídeos, fotos e exclusivas versões ao vivo.

Em 2006, a Sony renovou o contrato com a banda para explorar o catálogo. Entre os passos seguintes, outra bela tacada: costurar um forte acordo com a MTV para promover o lançamento, em novembro do ano passado, do game “AC/DC Live – Rock Band”, já em apoio ao álbum “Black Ice”. Enquanto isso, Jack Black seguia rodando com “Escola do Rock” por canais a cabo e TVs abertas, sempre conquistando novos pupilos para o AC/DC.

OS SEGREDOS DO SUCESSO

Motivado pelo descaso da crítica e diante de números eloquentes, jornalista lança livro “Why AC/DC Matters” (Por Que O AC/DC Importa) que reivindica novo status para a banda

Anthony Bozza é um respeitado jornalista musical americano, autor de biografias de Slash e Eminem, entre outros livros. Durante o tempo em que trabalhou na revista americana “Rolling Stone”, ele cortava um dobrado para aprovar pautas sobre uma de suas bandas preferidas. Logo Bozza percebeu que o AC/DC, apesar de todo o sucesso, não recebia o devido reconhecimento da crítica especializada. Com o lançamento do álbum “Black Ice”, no ano passado, ele se deparou com números incontestáveis que expressavam a grandeza do grupo australiano. Assim nasceu o livro “Why AC/DC Matters”, recém-lançado nos EUA pela editora Harper Collins (e sem previsão para sair no Brasil).

Nesta entrevista feita por telefone, direto de seu escritório, em Nova York, o autor conta como foi a busca por explicações para o sucesso e a relevância de um grupo que faz um som simples, mas cativante. De quebra, Bozza explica como é o show da “Black Ice Tour” que o Morumbi verá em 27 de novembro – e que ele, como bom fã, conferiu quatro vezes.

Do que você trata no livro “Why AC/DC Matters”?

É uma explicação sobre a importância da banda. O AC/DC tem milhares de fãs pelo mundo, vendeu milhões de discos, só foi superado pelos Beatles, e o único álbum que vendeu mais que o “Back In Black” foi “Thriller”, do Michael Jackson. Mesmo com esses fatos, eles ainda são uma dessas bandas que nunca tiveram o mesmo tipo de tratamento da crítica que outras têm. São sempre tratados como o tipo de banda que faz muito sucesso, mas não merece qualquer apreciação da crítica. São tratados como bandas barulhentas, atrasadas, como bandas de metal que só compõem as mesmas músicas o tempo todo, os mesmos acordes e letras estúpidas. Eu trabalhei na “Rolling Stone” americana durante sete anos e participei de várias reuniões onde discutíamos edições com listas das maiores bandas de rock de todos os tempos ou os melhores discos dos anos 70, e toda a vez que eu trazia o nome do AC/DC à tona, os outros olhavam para mim como se dissessem: “Eu nem sei sobre o que você está falando”. Eu queria colocar isso à prova. Se você falar com qualquer músico, engenheiro de som ou produtores, qualquer um do mercado da música, todos falam que o AC/DC entende fundamentalmente o que é o rock’n’roll. Todos que atuam no mercado do rock compreendem, mas a crítica não.

Foi idéia sua ou a editora que te pediu?

Foi minha idéia. Eu e o meu editor estávamos conversando sobre como há muitos livros aqui nos Estados Unidos com o título “why something matters” (por que alguma coisa tem importância), esse tipo de coisa. E ele queria começar a lançar livros sobe bandas de rock e cultura pop, então havia a idéia do “Why The Beatles Matters”, mas é óbvia a razão pela qual eles têm importância e eu acho que não conseguiria escrever sobre uma banda que eu nunca vi ao vivo. A conversa começou por aí, eu sugeri AC/DC e eles abraçaram a idéia.

Com quem você falou para chegar a essas conclusões?

Eu falei com o Slash, Tommy Lee, o produtor Rick Rubin… Eu queria explicar porque essa fórmula tão simples funciona tão bem. Para isso fui conversar com professores de guitarra e de canto da Universidade de Música de Berkeley, uma das melhores no ensino de música, e foi muito interessante. O professor de voz explicou o que acontece na garganta do homem quando ele canta e foi muito interessante entender o quanto bons são Brian Johnson e Bon Scott como vocalistas. O professor de guitarra explicou o que acontece no diálogo entre Angus e Malcolm, e porque eles usam três ou quatro acordes para criar riffs incríveis.

Como você compararia esse palco com o palco de outras turnês?

Eu diria que dessa vez eles colocaram tudo que havia nos outros palcos em um palco só. Não é algo tão grande quanto o palco do U2, com telões gigantes e tal, porque não funcionaria. Mas eles têm muita fumaça e fogo no trem, que é realmente gigante, tem a “Rose” inflável, a mesma de sempre, tem o sino de “Hells Bells”, é um show muito bom, podem comprar o ingresso sem erro.

A maior crítica que recai sobre o AC/DC é a de o grupo fazer sempre a mesma música, mas eles nunca fizeram concessões ou mudaram essa fórmula matadora…

Eu acho que essa é outra razão de eles terem fãs tão dedicados. Eu falei com Kerry King, do Slayer, e ele disse que o Slayer sempre olha para o AC/DC como uma banda que nunca fez concessões, que fez tudo de um jeito próprio. E com o Slayer é a mesma coisa. Eu acho que isso é apenas o que eles são, decidiram fazer o rock’n’roll do jeito que eles fazem, não fazer nada que os digam para fazer e continuam fazendo isso. Eles poderiam seguir a moda, dar ouvidos a gente de gravadora para fazer coisas diferentes, mas talvez não desse em nada. A fórmula deles está totalmente correta.

Eles converteram o “defeito” de tocar sempre a mesma coisa em uma grande vantagem…

É, e esse foi outro motivo pelo qual eu decidi escrever o livro. Quando o “Black Ice” foi lançado, no ano passado, foi número um nas paradas em 29 países ao redor do mundo. E revistas de rock não colocaram a banda na capa. Na “Rolling Stone” americana, só aconteceu uma vez em 30 anos.

Falando dos problemas de saúde de Brian Johnson, você acha que ele teria condições de fazer uma nova turnê com a banda dentro de dois ou três anos?

Para ser honesto acho difícil. Independente de ele ter ficado doente, essa é provavelmente a última turnê deles. Brian está fazendo a parte mais difícil da performance do grupo, por causa da mecânica que acontece no corpo quando você canta. Angus pode tocar por anos a fio, assim como Malcolm, Cliff e Phil, mas Brian é o cara que tem uma inacreditável performance atlética a cada show. Eu tenho um sentimento de ele vai ser o primeiro a perceber a hora de parar, antes dos outros.

Você imagina o AC/DC com outro vocalista?

Não, acho que eles são muito do tipo “um por todos e todos por um”, sem Brian eles não saem mais em turnê. Eles não precisam fazer mais turnês, ao menos não por causa de grana.

Em poucas palavras, por que o AC/DC é importante?

Mas eu expliquei isso em 160 páginas! Vá lá: porque eles ainda fazem o que sempre se propuseram fazer.

NO ROCK IN RIO

Em momento de transição, o AC/DC foi uma das atrações da primeira edição do festival, em 1985. Angus Young chocou o Brasil em um dia histórico para o país – em vários sentidos

Pego de surpresa para se apresentar na primeira edição do Rock In Rio, em 1985, já que a turnê do álbum anterior, “Flick Of The Switch”, havia sido encerrada, o AC/DC acabou interrompendo as gravações do disco seguinte, “Fly on the Wall”, para vir ao Brasil. O grupo integrava uma escalação que reunia, entre outros pesos pesados do rock, Ozzy Osbourne, Iron Maiden, Scorpions e Whitesnake. Como as bandas tocavam em dois dias (exceto o Iron), o quinteto teve três dias de folga entre as apresentações e pôde curtir o calor, as praias cariocas e belezas locais como o Pão de Açúcar.

Na entrevista coletiva, o bem-humorado Angus Young brincou sobre tentar encontrar um lugar pra comer fish’n’chips (peixe com batata frita, popular refeição britânica) no Rio de Janeiro, mas os jornalistas não pescaram. Quando foi perguntado se o AC/DC iria fazer o rock’n’roll mais popular (usando a expressão “bigger”; em português, maior) no Brasil, o baixinho arriscou outra piada: “Bom, nós não somos muito altos, não podemos fazer o rock ficar maior”. Ninguém riu e, ele teve de continuar a resposta, meio sem graça. “Provavelmente, acho que vai ajudar, sim, ver pela primeira vez tanto rock’n’roll no mesmo lugar…”

O Brasil era visto pelos músicos como país exótico. Brian Johnson, que arriscou alguns “brigado” durante o show, falava sobre “troca cultural” também sem perder a piada. “Todo mundo pensa em conferir o samba e tal. Aqui os garotos recém descobriram o rock’n’roll. Uns 30 anos depois, né? Bem, antes tarde do que nunca…” A banda ficou hospedada no Hotel Nacional, projetado por Oscar Niemeyer e atualmente desativado. Angus & Cia. aproveitaram a praia de São Conrado, logo em frente, em trecho que hoje é impróprio para banho devido ao alto índice de coliformes fecais.

Embora na época os shows não tivessem tantos efeitos especiais como os de hoje, o AC/DC fez questão de trazer os canhões que disparam em “For Those About To Rock (We Salute You)” e o sino gigante usado em “Hells Bells”. Como a estrutura do palco não suportaria o peso, a alternativa foi substituir a trapizonga por um sino de gesso, mais leve. As cerca de 50 mil pessoas que compareceram ao show do dia 15 e as outras 200 mil que estiveram na Cidade do Rock no dia 19 nem perceberam a diferença.

O repertório era mais ou menos o da curta turnê anterior, que trazia apenas “Guns For Hire” entre as novas. Nessa época o AC/DC dependia mais de hits da época da fase com Bon Scott… Mas “Back In Black” tinha cinco músicas incluídas no repertório.

Como headliner, o grupo tinha mais tempo para se apresentar, mas o show do dia 19 teve duração menor que o do dia 15, provavelmente pelo número de atrações, naquela que ficou conhecida como “noite do metal”, com o público se divertindo em meio a um terrível lamaçal. Os que foram na terça, além de ter visto três músicas a mais (“Shot Down in Flames”, “The Jack” e “Jailbreak”), escaparam da tempestade que se abateu sobre a cidade. Mas, dentro da rigorosa predileção dos fãs de heavy metal, tiveram de encarar Kid Abelha, Eduardo Dusek e Barão Vermelho antes dos Scorpions, a outra atração gringa da noite, entrarem no palco. No dia 19, o show de Erasmo Carlos, vaiado na noite de estréia, foi transferido para o dia seguinte, restando Baby & Pepeu, Whitesnake, Ozzy Osbourne e Scorpions, antes do AC/DC.

Em referência à eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, encerrando um período de 21 anos de regime autoritário, os jornais cariocas apelidaram a noite de 15 de outubro de “festa da democracia”. Mas o público headbanger demonstrou tolerância zero em relação a Kid Abelha e Eduardo Dusek, brindados com uma chuva de pedregulhos e copos de papel (vazios, dobrados, ou cheios de líquidos diversos).”As pessoas que estão jogando coisas no palco têm mais é que ser linchadas”, gritou Dusek divertindo ainda mais o povo de camisa preta. “Não está a fim de escutar música? Fica em casa e se suicida!” A rivalidade estabelecida entre atrações brasileiras e internacionais levou Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso, a se manifestar, pouco depois, em uma entrevista à revista Veja: “Não tivemos muito o que aprender no Rock in Rio. O melhor guitarrista do festival foi o Armandinho, do Moraes Moreira. Angus Young eu acho um mão dura”.

O guitarrista monopolizou as atenções dos shows. O momento “ataque epilético”, em que parece estrebuchar no chão, girando o corpo sobre si próprio sem parar de tocar, foi apoteótico. Chocou o público de todo o Brasil, que acompanhava a cobertura pela TV. No Jornal Nacional do dia 16 de janeiro, o strip-tease de Angus Young foi noticiado – e elogiosamente!

Set list completo do dia 15/01/1985

1- Guns for Hire
2- Shoot to Thrill
3- Sin City
4- Shot Down In Flames
5- Back In Black
6- Have A Drink On Me
7- Bad Boy Boogie
8- Rock And Roll Ain’t Noise Pollution
9- Hells Bells
10- The Jack
11- Jailbreak
12- Dirty Deeds Done Dirt Cheap
13- Highway To Hell
14- Whole Lotta Rosie
15- Let There Be Rock
16- T.N.T.
17- For Those About to Rock (We Salute You)

A SEGUNDA VINDA

Em outubro de 1996, o AC/DC voltou ao Brasil para tocar em Curitiba e em São Paulo. Com o baterista original, Phil Rudd, e uma superprodução incrível

Não é sempre que um grupo cheio de sucessos no currículo inicia um show tocando justamente o maior deles, e foi exatamente o que o AC/DC fez no Pacaembu, no dia 12 de outubro de 1996. Era a turnê do álbum “Ballbreaker” e, quando uma bola gigante sustentada por um cabo de aço demoliu o paredão de tijolos, Angus Young surgiu correndo de uma lado a outro tirando os primeiros acordes de “Back In Black” para levar as cerca de 55 mil pessoas à loucura. A turnê marcou o retorno do baterista Phil Rudd ao grupo, completando a formação clássica, à exceção, claro, de Bon Scott. O grupo só voltaria à estrada quatro anos depois.

Desde a turnê de 1992 o AC/DC vinha fazendo dos shows superproduções que realçam a performance do grupo. No Pacaembu, apresentou uma série de efeitos de tirar o fôlego (como se a música, por si só, não fosse capaz disso). Rosie, a mulher inflável gigante alusiva à música “Whole Lotta Rosie”, fez sua primeira aparição no Brasil. Em “Highway To Hell”, no bis, Angus Young surgiu de dentro de uma jaula que emergia do piso como se realmente tivesse subido do inferno, com os clássicos chifrinhos da capa do álbum de mesmo nome. Antes, em “Boogie Man” o gaiato tinha feito seu obrigatório strip-tease, sempre mostrando a cueca samba-canção com a bandeira do país onde toca. Brian Johnson teve seu momento de brilho coadjuvante ao se dependurar na esfera de aço e depois carregar o nanico Angus nas costas.

O repertório incluiu quatro músicas de “Ballbreaker”, de 1995, reconhecidas e cantadas pelo público. Ao longo das mais de duas horas de show, o estádio todo parecia cantar tudo junto com a banda. Não faltaram o sino gigante gongado por Johnson em “Hells Bells” nem os tiros dos canhões medievais em “For Those About To Rock (We Salute You)”, que tradicionalmente encerram os shows. Angus ainda encontrou tempo para, após o solo, fazer sair faíscas de sua guitarra e da estruturas metálicas do palco, que reproduziam um canteiro de obras com grua e tudo. “Back In Black” continuou sendo o disco com maior número de músicas incluídas no set, dessa vez apresentando também “You Shook Me All Night Long”, a grande ausência nos shows do Rock In Rio. Outros clássicos, inclusive da fase Bon Scott, se mostraram vivíssimos, cada vez mais adaptados à voz singular de Brian Johnson. Entre eles, “Dirty Deeds Done Dirt Cheap” e “TNT” foram os que mais sacudiram o público. Além, é claro, de “Let There Be Rock”, que Angus usou para detonar seu número de guitarrista aloprado, com uma disposição de garoto – embora, na época, já contabilizasse mais de 40 primaveras.

Na véspera, coincidentemente o dia da morte de Renato Russo, o AC/DC tocara em Curitiba, na Pedreira Paulo Leminski, para outras 50 mil pessoas, público considerado recorde do local até hoje. A abertura foi feita pelo trio virtuose Dr. Sin, e em São Paulo, a honra coube ao Angra, ainda com a formação “clássica” e com dois álbuns lançados. O roteiro das duas apresentações foi idêntico, e a turnê está registrada no DVD “No Bull”, gravado na Plaza de Toros de Las ventas, em Madri. Lançado originalmente em 1996, o título ganhou no ano passado uma versão “director’s cut”. Em relação às músicas tocadas nos shows do Brasil, tem um bônus: “Dog Eat Dog”. Curiosamente, há poucas imagens desses shows brasileiros disponíveis no YouTube.

Set list completo do dia 12/10/1996

1- Back in Black
2- Shot Down in Flames
3- Thunderstruck
4- Girls Got Rhythm
5- Hard as a Rock
6- Shoot to Thrill
7- Boogie Man
8- Hail Caesar
9- Hells Bells
10- The Jack
11- Ballbreaker
12- Rock and Roll Ain’t Noise Pollution
13- Dirty Deeds Done Dirt Cheap
14- You Shook Me All Night Long
15- Whole Lotta Rosie
16- TNT
17- Let There Be Rock
18- Highway to Hell
19- For Those About to Rock

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